EDIÇÃO 22 » COMENTÁRIOS E PERSONALIDADES

Acertando no Fold


Felipe Mojave

Nesta edição vamos analisar algumas jogadas ocorridas em torneios que participei no último mês, dando ênfase em situações nas quais tive que jogar uma grande mão fora. Poucos jogadores são capazes de fazer isso. E mais importante do que abrir mão de um jogo forte é acertar a leitura, o que torna esse fold ainda mais difícil.

JOGADA 1 - LIVE
Second Chance do LAPT Mar Del Plata (buy-in $1000)
Blinds 400-800, ante 100
Meu Stack: 46.100


Abro raise de 2.050 no UTG com JJ, e um holandês muito agressivo no button (57k) resolve apenas dar call. Um sujeito muito tight no big blind (40k) volta reraise de 8,500. Acredito que, pelo fato de o reraise ter sido muito alto, não consegui colocá-lo numa mão exatamente, mas era bem provável que tivesse AK. Resolvi dar call e, para minha surpresa, o holandês resolve embarcar também.

O flop vem T94. O BB dá check e eu aposto 14.000 num pote de 25k aproximadamente (me restando 24k). O holandês dá call e o BB também. Em teoria, as três primeiras cartas foram muito boas para mim. Ali, depois da rodada de apostas do flop, eu já tinha uma clara leitura da situação:

Big Blind Tight-Agressive. Ele não deve ter nem um overpair nem AK naipado em copas, do contrário, voltaria all-in no flop 100% das vezes. Nesse momento, acreditei que ele tivesse acertado uma trinca de dez ou de noves, pois deu call de 14.000 no flop e ficou totalmente comprometido com o pote.

Holandês agressivo. Era fato na minha mente que ele tinha flush ou straight draw. Cabia também uma mão combinada muito forte, algo como KQ.

No turn vem a minha trinca, mas o J que bateu permitia um flush e um possível straight. Imediatamente, o BB vai de all-in de 17,5k. Parei para pensar por uns 5 minutos, e agora tinha certeza de que ele tinha uma trinca e ficou assustado com o turn. Contra ele, eu sabia que estava vencendo a mão, mas olhando o panorama geral da situação, quais cartas poderia ter o holandês? Bem, confiei na minha leitura prévia e dei fold. Para minha felicidade, o holandês dá insta-call e abre AJ de copas. O BB realmente tinha trinca de dez. No river virou outro 4, e eu quis me matar naquele momento. Restava o consolo de ter sido um belo fold, e não pude ficar me culpando dessa maneira. No final das contas, me recuperei bem no torneio e terminei em 3º lugar.

Mais uma vez vocês podem perceber como é importante parar para pensar e rever a mão inteira, a maneira como ela foi jogada. Outro fato que percebi é que havia três jogadores na disputa. Se, por ventura, a mão tivesse sido jogada em heads-up, seria praticamente impossível dar esse fold.

JOGADA 2 - ONLINE
Sunday Mulligan 200K Garantido do Full Tilt (buy-in $256)
Blinds 3.000-6.000, ante 750
Meu Stack: 218.970

Estou no big blind, e “DUSoonerKid”, jogador contra quem venho disputando muitos potes abre raise no UTG para 14.000. É um oponente muito bom jogador e bastante agressivo. Ele tem 240.000 no stack. Estamos na mesa semifinal e restam 12 jogadores, ou seja, duas mesas com seis.

Eu no BB com AA resolvo aplicar slowplay nele, pois, na maioria das vezes, ele abre raise no UTG com mão fracas e provavelmente iria dar fold se eu voltasse um reraise. Outro detalhe é que, se ele acertar top pair, por exemplo, não deve largar a mão tão fácil e vai perder muitas fichas.

O flop vem Q35. Eu dou check esperando que ele continue a apostar e, caso ele tenha acertado a dama, devo ganhar um belo pote ou até mesmo dobrar. Para a minha surpresa, ele também dá check. Já achei tudo muito estranho, pois jogador agressivo que aumenta fora de posição, mas tem posição para falar depois do flop, aposta 95% das vezes – exceto quando flopa uma mão muito grande, algo de que eu já estava desconfiado, por causa do comportamento dele. No turn dobra o 3, e a mesa fica com duas cartas de copas e duas de ouros. Aposto cerca de meio pote (18.222), e ele, depois de pensar um instante, dá apenas call. Mais um fator muito estranho vindo de um jogador tão agressivo.

O river traz o K. Não estou nem um pouco preocupado com um possível flush, pois certamente isso não estava nos planos dele, pois, se fosse o caso, certamente apostaria no flop. Fiquei com receio de partir para o check-call por achar que ele pudesse ir de all-in no river (acredite, ele teria peito suficiente para fazer isso). Sendo assim, resolvi aplicar uma blocking-bet de 36.222 num pote de 71.944. Imediatamente ele volta all-in de 206.036. Aí a situação ficou bem complicada...

Restavam-me 150k em fichas, ou seja, ainda havia muito jogo para mim, pois eu ficaria com M 11 se optasse pelo fold. Na minha análise, flush draw seria impensável, pelo fato de ter dado check no flop com posição. E outro ponto importante é eu tinha AA, sendo um deles de copas.

Outro detalhe que me chamou muito a atenção foi ele ter voltado all-in instantaneamente no river. Acreditei que ele achava que eu tinha uma mão forte e não pensaria na ação, e daria call prontamente também, me induzindo a tal ação.


Depois de pensar durante todo o meu time bank, só consegui colocá-lo em QQ – seria muito improvável que ele tivesse KK. Já AK, AQ ou KQ (que são possíveis mãos que ele tem, e que eu venço) penso que ele jogaria numa linha diferente também. Seria mais improvável ainda que fosse um blefe seco, muito difícil. Seguindo minha linha de raciocínio, fui obrigado a manter a coerência e colocá-lo em QQ especificamente, largando meu par de ases.

E essa é a coisa mais difícil de ser fazer numa mão dessas: manter a coerência e ter coragem de dar fold, até mesmo porque eu nunca vou saber se eu estava correto ou não – tenho que acreditar na minha análise acima de tudo. Acabei chegando na mesa final, ficando em 9º lugar.

Espero que esta coluna tenha ajudado você, e que ela tenha lhe mostrado que, se você confia na leitura do seu jogo, precisa estar preparado para dar grandes folds, que são tão importantes quanto bons calls.

Não resta dúvida de que o raciocínio dessas jogadas se encaixa especificamente no meu estilo de jogo, e no modo como meus adversários me vêem na mesa. Talvez um jogador muito agressivo online nunca dê fold com overpair ou trinca, pois o range de mãos com que seus adversários dão reraise é muito grande, por exemplo. Falando por mim, posso afirmar que não jogo muito com essa matemática.




NESTA EDIÇÃO



A CardPlayer Brasil™ é um produto da Raise Editora. © 2007-2024. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.

Lançada em Julho de 2007, a Card Player Brasil reúne o melhor conteúdo das edições Americana e Européia. Matérias exclusivas sobre o poker no Brasil e na América Latina, time de colunistas nacionais composto pelos jogadores mais renomados do Brasil. A revista é voltada para pessoas conectadas às mais modernas tendências mundiais de comportamento e consumo.


contato@cardplayer.com.br
31 3225-2123
LEIA TAMBÉM!×