EDIÇÃO 58 » COLUNA NACIONAL

Planejamento de Carreira: Experiência e Risco


Felipe Mojave

Na coluna de hoje, um tema um tanto quanto polêmico, mas inevitável quando tratamos o poker como profissão: jogar contra os melhores para evoluir.

No começo da minha carreira, fui muito criticado por jogar com frequência contra bons jogadores. Minha ideia era simples, eu acreditava que evoluiria muito mais rápido ao enfrentar os melhores. Sem dúvida, a minha estratégia deu certo, mas a questão é: vale o risco?

A verdade é que esse é um passo importante na vida de qualquer jogador, e todos os pontos devem ser muito bem analisados.

Para mim, o poker é uma junção entre teoria e prática. Porém, existe um fator muito mais importante: a execução. E para que ela esteja sempre beirando a perfeição é necessário experiência. Muitas vezes, você conhece todas as questões teóricas do jogo e está sempre se reciclando, mas, no momento de aplicar tudo o que aprendeu, a coisa fica complicada. No poker, a experiência agrega muito mais que nos demais esportes.

Hoje, quando entro em uma disputa com nível muito alto, a atenção é sempre redobrada, mas eu tenho plena certeza que possuo “horas de voo” suficiente para enfrentar qualquer tipo de jogador. Isso me deixa confiante e tem consequências diretas no meu desempenho.

Esse foi um dos motivos que me levou a não renovar meu contrato com o Best Poker no final de 2008. Eu quis me mudar para Las Vegas e jogar cash game diariamente. Lá, estão os melhores do mundo – principalmente nas mesas de 2-5, 5-10 e 10-20 do Bellagio e Venetian. Quem joga na “Cidade do Pecado” sabe que a quantidade de jogadores regulares que o poker sustenta por lá é muito grande.



E essa também é a razão de muitos jovens jogarem melhor do que os mais velhos. Eles jogam exaustivamente e diariamente contra os tubarões do online. Digo, sem ter medo de errar, que um jogador online, bom e regular, que joga em limites desafiadores há dois anos, por exemplo, será muito mais temido que alguém que joga há dez, mas em uma frequência muito menor.

Saber dosar é a grande virtude de um jogador de poker. Não adianta fugir dos leões se você quer evoluir, mas também não vá enfrentá-los sem estar preparado ao ponto de oferecer um bom combate. Talvez, esse seja o meu maior mérito na condução da minha carreira. Por mais que algum jogador não me reconheça como um competidor a ser temido, a experiência, os resultados e o planejamento no longo prazo sempre serão respeitados.

“Então, se eu puder escolher, devo jogar contra jogadores notoriamente mais experientes e fortes do que eu?”. A resposta é sim. Mas com muita cautela e noção absoluta de onde estamos pisando. Por outro lado, se você puder manter uma boa renda jogando contra jogadores mais fracos, faça!

Recentemente, estive conversando meu amigo Leonardo “Toddasso” Martins – jogador de São Paulo que vem conquistando excelentes resultados no circuito brasileiro – e chegamos à conclusão que o field no Brasil ainda é fraco, apesar de já ter melhorado muito. Sendo assim, um bom jogador, em um torneio como o BSOP, por exemplo, tem uma vantagem muito grande.

Mas e se o Todasso resolver disputar um evento de US$ 5.000 na WSOP? Veja bem, eu não estou dizendo que ele não tem condições, pelo contrário, eu o conheço e sei do seu talento. O que quero mostrar é que ele enfrentará jogadores com bastante experiência em torneios da Série Mundial e bagagem muito maior que a dele. Então, ele terá que tirar essa diferença de outra maneira.

Se expor com inteligência. Esse é o caminho para ganhar experiência e evoluir no poker. No Brasil, temos bons jogadores que ilustram bem o que estou falando. O Douglas “Dowgh-Santos” Ferreira, o Rafael “Lirola”, o Thiago Crema e o Rafael “GM_Valter” Moraes vêm imprimindo um ritmo muito forte poker online e ao mesmo tempo participando de torneios ao vivo que possuem competidores mais fortes – como Master Minds, EPT e LAPT.



O goiano João “Bauer” Neto também faz isso muito bem. Ele é um cara que começou a investir mais nos jogos ao vivo quando começou a obter mais sucesso no seu online. Foi arriscando-se de modo bem pensado. É um cara que não joga live com tanta frequência, mas, com certeza, estará investindo novamente na WSOP e no seu time de talentos, o Steal Team.

Outro que não posso deixar de citar é um dos profissionais que sou mais fã. Ele já traçou e percorreu esse caminho como poucos. Thiago Decano é alguém que deve servir de base para quem está começando ou que em processo de transição – de bom jogador para grande jogador.

No meu caso, tracei um caminho muito parecido e bem planejado. Em 2006 e 2007, todos os torneios grandes que joguei, com jogadores claramente mais fortes e experientes, foram por satélites, e eu já tinha meu "ganha-pão".

Lembro bem quando cheguei à mesa final do Omega Best Player 100k Garantido, na época o maior torneio do Brasil, apenas com feras – Eduardo Parra, Sérgio Braga, João Marcelo, Salim Dahrug, Willian Bernardino, Rodolfo Dobbins, Eric Mifune e, se não me falha a memória, o Gabriel Otranto. Esses jogadores estavam entre os melhores de torneios ao vivo do Brasil, muito mais experientes e desenvolvidos do que eu. Mas eu tinha entrado nesse evento por um satélite online, que ainda reuniu nomes como Marco “Salsicha”, Robert Chiró, Fernando Grow e muitos outros.

Fui eliminado na sexta posição contra o Salim. Ele pagou meu all-in no turn sem nenhum par, apenas com um ás. Saí meio desolado do torneio, principalmente porque o André Akkari, junto com o Robinson “Robigol” Quiroga, estava me acompanhando. Eles tinham se impressionado com o meu jogo. Logo que fui eliminado, o Akkari me disse: “Que torneio maravilhoso você estava fazendo moleque, e foi jogar tudo fora em um blefe idiota desses. E logo contra o Salim, que é um calling station (jogador que desiste de sua mão poucas vezes)”.

Na hora, saí meio sem entender aquele sermão, de um cara que eu mal conhecia. Eu achava que tinha feito tudo certo e que o call do Salim tinha sido horrível. Então, chamei o Akkari no canto e perguntei: “Cara, por que você acha que a minha jogada foi tão ridícula?”. Ele respondeu: “Imagina! Na verdade, eu acho maravilhosa, mas a verdade é que o Salim te deu um check-raise no turn e você voltou all-in. Olha, parabéns, você teve uma leitura muito boa, mas o check-raise do Salim o deixou totalmente comprometido com o pote. Você não tinha mais fold equity”.  O próprio Salim me confirmou tudo isso depois.

Sim, eu tinha pecado pela experiência. Fui pego em desvantagem naquela situação e, por mais que eu tivesse o poker na veia e o coração na ponta das cartas, eu não estava no mesmo nível dos meus oponentes. Eu ainda tinha muito que aprender. Mas foi ali também que meus laços de amizade se fortaleceram com o Akkari. Hoje, tenho orgulho de tê-lo como um dos meus melhores amigos na vida.



E vieram outros torneios. E eu sempre escutava elogios e dicas de jogadores mais experientes. Foi dali que saiu o meu aprendizado, e foi assim que eu fui levando o início da minha carreira.

Em meados de 2007, me firmei no cenário nacional. Ganhei um BSOP, fiz mesas finais importantes, assinei um contrato com o Best Poker – o que obviamente me ajudou muito. Já que é muito mais fácil nadar no meio de tubarões sendo patrocinado – e deixei meu trabalho regular, em um banco, para me dedicar integralmente ao poker. Depois, vieram os jogos na Europa e em Las Vegas. Tudo na hora certa, com planejamento.

Atualmente, eu tenho certeza que posso jogar de igual para igual com os grandes profissionais do poker mundial, assim como já fiz e, apesar de sempre ter a opção de escolher o caminho mais fácil, continuo fazendo. Afinal, está dentro de mim essa vontade de desafiar os melhores e tenho certeza de que só se evolui plenamente dessa maneira.

Espero que essa coluna tenha elucidado a importância de obtermos experiência e, ao mesmo tempo, sabermos maximizar nosso aprendizado diante dos grandes desafios.





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